As inevitáveis
independências
Pois é. Apesar de todas as reticências, de todo o cepticismo
e de todas as dúvidas, uma coisa é certa: Portugal fez bem
em dar a independência às ex-colónias. Pelo menos é
isso que pensam dois terços dos entrevistados em mais este estudo
da Universidade Católica para o PÚBLICO, a Rádio Renascença
e a TVI. Ainda assim, 28,2 por cento consideram que Portugal fez mal em
descolonizar, isto é, quase um em três portugueses tem saudades
do império.
Esta resposta contrasta fortemente com o balanço da forma como decorreu
a descolonização, bastante negativo. Mas já lá
vamos: primeiro, passemos em revista a resposta à questão
inicial e incontornável, a do direito à independência
das ex-colónias. Reparemos, por exemplo, que as percentagens mais
elevadas de respostas positivas foram obtidas entre os interrogados que
contam entre 25 e 44 anos e as mais baixas junto dos que têm mais
de 65anos; que foi na região de Lisboa e entre os eleitores do PS
e da CDU que continuámos a encontrar mais gente a concordar com
o princípio da independência das ex-colónias; que os
eleitores do CDS se dividem quase a meio; que as respostas favoráveis
às independências crescem em percentagem conforme o grau de
instrução dos inquiridos, variando entre um mínimo
de 58,4 por cento entre os que têm menos do que a quarta classe e
um máximo de 87,7 por cento junto dos que completaram um curso superior;
que, por fim, aqueles que nasceram numa ex-colónias também
são mais reticentes relativamente ao princípio das independências.
Não aceitar o princípio da independência das ex-colónias
implicava aceitar como boa a guerra colonial. Ora sucede que entre os cerca
de 28,2 por cento de inquiridos que respondeu negativamente à pergunta,
só metade se manifestou disponível para defender militarmente
a soberania portuguesa. E de novo só metade se disse disposta a
aceitar o princípio de enviar os seus filhos para a frente do combate.
Há assim uma contradição entre a recusa do princípio
das independências e o seu próprio corolário óbvio:
a necessidade de manter a guerra colonial.
De costas viradas para
África
Já a resposta à questão relativa à zona de
relações privilegiadas de Portugal é coerente com
a resposta à primeira questão: uma maioria óbvia defende
que Portugal deve privilegiar o relacionamento com a Europa (56 por cento)
face
às ex-colónias (29,1 por cento). Assim, apesar da retórica
de muitos políticos, apesar das palmetas e dos rios ibéricos,
as relações africanas são vistas pelos inquiridos
como não prioritárias relativamente às relações
com a Europa. Apenas 20 anos depois de uma inflexão radical na nossa
política externa, a aposta europeia parece claramente assumida e
interiorizada.
Essa opção torna-se ainda mais clara quando olhamos para
as respostas a outra questão: para onde iriam os portugueses, caso
tivessem de abandonar Portugal. Pelo menos dois terços escolhiam
destinos não africanos, mais exactamente um outro país da
União Europeia (35,3 por cento), os Estados Unidos ou o Canadá
(17,8 por cento), ou ainda o Brasil (14,7 por cento). Só 7,6 por
cento indicaram Angola e ainda menos, 2,9 por cento, apontaram para Moçambique.
Estes resultados são interessantes se levarmos em linha de conta
que foram obtidos num país onde os laços com as ex-colónias
são fortes: neste inquérito detectámos 5,7 por cento
de respondentes que tinham nascido num dos PALOP, mais 18,5 por cento que
possuíam familiares oriundos das ex-colónias. Como verificámos
igualmente que 18,5 por cento dos inquiridos vieram ou combateram numa
das ex-colónias, facilmente podemos deduzir que entre um quarto
e um terço tem laços directos com um dos territórios
ultramarinos.
São esses, naturalmente, os que em maior número se manifestam
a favor do estreitamento das relações com as ex-colónias;
entre os que nasceram nesses países, a ordem das prioridades, em
caso de terem de sair de Portugal, inverte-se quase por completo. A Europa
continua a ser o destino mais citado, mas Angola e Moçambique saltam
claramente para a frente do Brasil e da América do Norte. Trata-se
de um resultado de certa forma esperado e que traduz a nostalgia de muitos
desses portugueses, nostalgia essa que os leva a trocar a certeza do conforto
do mundo desenvolvido pela incerteza e os riscos de dois países
em situação de convulsão quase constante.
Descolonização
mal amada
Mas se a opção africana é, em grande parte, algo que
pertence ao passado, o processo de descolonização continua
a marcar fortemente os portugueses. Quase ninguém já subscreve
a tese da “descolonização exemplar”. Concretizando: só
7,8 por cento dos entrevistados entende que tudo correu bem nesse processo,
contra 82,5 por cento que têm a opinião contrária.
É esmagador.
Analisando ex-colónia a ex-colónia, é o processo de
Timor que regista uma apreciação mais negativa, o que não
chegou sequer a haver descolonização; houve a ocupação
do território por uma potência estrangeira, com as consequências
que todos conhecemos. No caso concreto de Timor, dois terços dos
entrevistados consideram que a descolonização correu muito
mal, taxa que supera largamente a registada para as outras duas ex-colónias
onde o processo de descolonização é avaliado pior,
Angola e Moçambique.
A forma crítica com que é apreciado todo este processo reflecte-se
nos maus resultados verificados mesmo em países onde a descolonização
não levantou problemas de maior, casos de Cabo Verde e de S. Tomé
e Príncipe. Relativamente a esses dois novos Estados, só
cerca de 12 por cento dos respondentes entendeu que as coisas tinham corrido
bem.
Quando quisermos saber se Portugal
tinha ganho ou perdido com a descolonização, a opinião
generalizada foi que perdeu, e logo em quatro frentes: na política,
na economia, na diplomacia e na cultura. A área onde os inquiridos
consideraram que as perdas foram maiores foi a da economia, com87,3 por
cento a opinarem que Portugal perdeu economicamente com a descolonização.
A seguir vem a área da cultura (71,1 por cento), depois a da política
(63 por cento) e por fim a da diplomacia (58,6 por cento). Este último
resultado traduz alguma ignorância, posto que a política colonial
portuguesa tinha isolado diplomaticamente o regime e foi necessária
a descolonização para Portugal ser, por assim dizer, readmitido
na comunidade das nações, depois de anos de ostracismo.
Quando se perguntou a quem se deviam
atribuir as culpas pelo que correu mal, surgiu uma divisão importante
das opiniões. Significativamente, 27 por cento dos entrevistados
não soube ou não quis responder, taxa especialmente alta
e que contrasta com as registadas na maioria das outras questões.
Entre os que responderam, as opiniões repartiram-se sobretudo por
dois bodes expiatórios: o anterior regime e os negociadores portugueses.
A formulação desta
pergunta era bastante precisa, já que se explicava que, quando se
atribuam as culpas ao anterior regime, isso era feito por este “ter mantido
a guerra”. No que toca aos negociadores portugueses, especificavam-se os
nomes de Mário Soares, Melo Antunes e Almeida Santos. Verificou-se
pois que os entrevistados se dividem entre duas teses dominantes: a normalmente
subscrita pelos negociadores portugueses, que atribuem os erros da descolonização
à “situação impossível” herdada do regime deposto
a 25 de Abril, que deixara degradar as possibilidades de uma saída
negociada; e a que endossa aos poderes pós-25 de Abril a entrega
das colónias sem condições.
Registe-se ainda que o processo de integração dos retornados
é visto de modo que só podemos considerar positivo: são
mais os que referem o seu êxito do aqueles que o criticam; sobretudo,
há uma esmagadora maioria que pensa que essa integração
correu razoavelmente, o que é sinal de que não perduram grandes
traumas. Nem sequer o de ainda existirem indemnizações
por pagar: há uma maioria que entende que os retornados deveriam
ter sido indemnizados pelos bens deixados em África, mas de apenas
54,8 por cento – esta não é aparentemente uma questão
quente.
As relações
futuras
Quanto ao futuro, registe-se que a apreciação das relações
com as ex-colónias não é muito positiva, sobretudo
no domínio económico. Verificamos, porém, que a maior
parte dos entrevistados também está numa posição
de relativa indiferença, ao considerar com as relações
políticas, culturais e económicas com as ex-colónias
são…”assim-assim”.
Em face desta apreciação,
perguntou-se com que países deviam as relações portuguesas
ser mais chegadas. Angola surgiu à frente, destacada, seguida do
Brasil e Moçambique. O facto do Brasil ser intercalado entre aqueles
dois países africanos é significativo, tanto mais que a independência
brasileira já tem quase dois séculos.
A conturbada situação política em Angola e Moçambique
poderá, no entanto, continuar a colocar “pauzinhos na engrenagem”.
Com efeito, é muito curioso que uma parte significativa dos inquiridos
tenha opinião sobre as escolhas políticas dos países,
apoiando o MPLA ou a UNITA, a Frelimo ou a Renamo. Para ambos os países,
são os partidos no poder a recolher mais simpatias em Portugal,
mas para os dois a palma vai para os que preferem não apoiar nenhuma
das grandes forças políticas, sinal provável de um
distanciamento face a partidos cuja imagem em Portugal não é
famosa. Em ambos os casos a percentagem dos sem opinião é
pequena, se tivermos em conta a especificidade da pergunta.
Artigo de José Manuel Fernandes
In “PÚBLICO” de 22 Abril
1995 |